terça-feira, 6 de maio de 2014

ENTREVISTA com Lusa Almeida Soares Andrade

Foto: Internet
Aos 86 anos, Lusa Almeida Soares Andrade é uma artesã que dedicou toda a vida à arte com cerâmica e barro, mas que não permaneceu presa no tempo e hoje aproveita cada benefício que as novas tecnologias oferecem. E ela tem mesmo muita história para contar. Por isso, na entrevista deste domingo, o Jornal da Manhã traz um pouco sobre a vida dessa mulher que não se entregou às convenções da época e que, muito independente, viajou o país divulgando o artesanato uberabense.
Fundadora da Associação Brasileira de Cerâmica Artística e da Associação de Artesãos e Artistas de Uberaba, Lusa Andrade foi uma das principais responsáveis por difundir Uberaba como sede do conhecimento sobre as mais variadas técnicas ligadas à arte do trabalho com cerâmica e barro pelo Brasil. Como resultado das experiências adquiridas em 20 congressos nacionais realizados na cidade, Lusa publicou, em 1984, o livro “Barracão de Barro - Cerâmicas”, hoje na segunda edição, que é adotado por instituições educacionais do país e também de Portugal.

Filha de Ilídio Dias de Almeida e Alice Costa Almeida, Lusa viveu 54 anos felizes, como ela mesmo diz, ao lado do médico Olavo Soares de Andrade (in memoriam), com quem teve quatro filhos: Ana Cristina, Eduardo, Fernando e Guilherme Almeida Andrade. Hoje, ela também aproveita a companhia dos netos Felipe, Tiago, Diogo e Mariana.

Jornal da Manhã – Como tudo começou para Lusa Almeida Soares Andrade?
Lusa Andrade – Nasci em Uberaba, mais precisamente na fazenda Morro Alto, que ainda faz divisa com Peirópolis, cuja história começou em 1900, quando meu avô a comprou. Na infância, nós íamos aos córregos, onde pegávamos argila colorida para brincar e desde aquele tempo eu já fazia minhas panelinhas e as bonecas de barro. A partir daí nunca mais larguei a argila, estive sempre com as mãos no barro.

JM – Foi a vida no campo que proporcionou este interesse por essa matéria-prima?
Lusa Andrade – Acredito que sim, porque depois fui estudar fora tanto em Uberaba e São Paulo quanto no Rio de Janeiro, mas sempre tive o barro na cabeça, ou melhor, nas mãos [risos], e a vontade de trabalhá-lo.

JM – Nos primeiros anos de sua vida, além do interesse nato pela argila, como foi a infância da senhora?
Lusa Andrade –
Tive apenas um irmão, Galeno Almeida, e como fui estudar fora, aos sete anos de idade, a vida na fazenda foi um tanto curta, pois passava mesmo só as férias. Mesmo assim, foi uma infância muito boa e muito feliz, pois era uma alegria sem fim. Aliás, tenho a impressão de que já nasci sorrindo, porque tive muitas alegrias, mesmo quando vim estudar.

JM – E toda a família saiu da fazenda?
Lusa Andrade – Não, a família toda, não. Mamãe, papai e Galeno continuaram na fazenda. Na verdade, apenas eu vim para estudar. Fiquei interna no Colégio Nossa Senhora das Dores. Eu adorava o internato e sou muito grata às irmãs dominicanas, porque elas sempre me trataram muito bem e também por tudo que aprendi com elas. Talvez por eu não ter tido irmãs, apenas um irmão, as minhas coleguinhas me faziam muito feliz. Tinha muita alegria e, por isso, achava ótimo o colégio. De aprendizado, o mais marcante foi o fato de que as irmãs me deram muita formação. Depois que fui para São Paulo terminar meus estudos, tive outra vivência, porque fui para um colégio com influência inglesa e que, por isso, oferecia outro tipo de educação, mas acredito que as irmãs me ajudaram muito na vida. Em São Paulo, o colégio dava um pouco mais de liberdade.

JM – Como foi passar tanto tempo distante da família?
Lusa Andrade – Vim muito nova para o internato em Uberaba e, por isto, sentia muito a falta de casa e da família, mas a turminha do colégio sabia preencher. Naquele tempo não havia outra maneira, usava-se muito o internato, então não achava que estava jogada lá. Sabia que estava lá porque era preciso estar. Meus pais eram fazendeiros e o que mais poderiam fazer para nos oferecer estudos? O jeito era o internato, pois tínhamos que estudar. Lá no Colégio Nossa Senhora das Dores fiz até a segunda série, pois a terceira e a quarta foram em São Paulo, no Colégio Stafford. Também fiquei como internato, mas lá era misto, ou seja, meninos também estudavam, embora o colégio masculino fosse separado e quase não nos encontrássemos. Além disso, não era como o regime das freiras, tínhamos liberdade para sair aos domingos. Eu ia para a casa das minhas tias, que moravam em São Paulo, tomava chá, ia ao teatro e ao cinema, aproveitava muito. Era um banho de civilização. Lá, fiquei dois anos, me formei no Paulistano e voltei para a fazenda.

JM – E como foi a decisão de continuar os estudos no Rio de Janeiro?
Lusa Andrade – Meu pai achou que já estava na hora de me jogar mais um pouquinho no mundo, me tirando daquele regime fechado das irmãs para que eu ficasse mais independente. Isso foi muito bom e sou muito grata a ele por isto, porque toda a vida sempre fui muito independente. Tive que aprender a viver no mundo como ele realmente era. Depois que terminei os estudos, lá fui para o Instituto Social no Rio de Janeiro fazer o curso superior para Assistente Social, mas não completei, fiquei apenas quase um ano, porque papai faleceu em 1948 e tive que voltar para casa. Em 1950, me casei e fiquei morando em Uberaba.

JM – E como foi que conheceu o Dr. Olavo Soares de Andrade?
Lusa Andrade – Em 1949, houve um congresso médico em Araxá e a mamãe e eu fomos, junto com um primo, o doutor Alfredo Sabino, que iria fazer parte do evento. Nesse período, a turma da faculdade de Belo Horizonte, que estava formando, também foi e de toda a turma acabei escolhendo o Olavo. E em nove meses eu me casei. Conheci-o em setembro daquele ano, em janeiro de 1950 fiquei noiva e me casei em maio, mas tive pouco contato com ele, porque ele vivia em Belo Horizonte e eu em Uberaba. E permanecemos casados por 54 anos maravilhosos, pois ele era corretíssimo. Ele foi um dos primeiros professores da Faculdade de Medicina do Triângulo Mineiro, pois dava a disciplina de Anatomia. Tivemos quatro filhos, tenho quatro netos, mas ele faleceu em 2004 e então resolvi tomar conta da fazenda Morro Alto.

JM – E onde a arte com o barro entra nessa história toda?
Lusa Andrade – No colégio, as freiras nos ensinavam bordado e a picar papel, tanto que sempre adorei uma tesourinha e um papel, ou seja, sempre fui artesã. Aliás, não sou artista, sou artesã. A diferença entre o artista e o artesão é que aquele “cria”, enquanto o artesão “cria e recria”, ou seja, pode repetir. Portanto, sou artesã. Em 1975, fundei o Barracão de Barro aqui em casa, onde lecionava. Dava aulas de cerâmica e Uberaba todinha passou aqui para aprender sobre vitrificação em cerâmica, entalhe, ou seja, o processo todo, pois havia três fornos. Era um passatempo muito bom, mas no ano passado eu os aposentei, pois agora me dedico mais à fazenda, embora ainda faça cerâmica com minhas amigas uma vez por semana. Paralelamente às aulas de cerâmica, fundei a Associação Brasileira de Cerâmica Artística e realizava congressos nacionais em que vinham artesãos de todo o país para trocar experiências no assunto. No último congresso, em 1990, havia 300 pessoas, do Rio Grande do Sul ao Amazonas.

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